FALA A RAPARIGA MORENA

Às vezes vejo-me ao espelho, com certa atenção, e oiço-o a dizer-me que não sou bonita. Mas se me dispo, e é todo o meu corpo nu que vejo, o espelho cala-se. Sei que tenho um belo corpo, sim, e ninguém é perfeito.
Às vezes é fim-de-semana e decido: hoje vou beber e dançar e apaixonar-me”. Mas quando penso em me apaixonar, só me dá para rir. Não que eu não acredite no amor, ou na paixão que seja; a verdade é que, como diz uma amiga minha, quanto mais conheço os homens... Bom, não sei se será exactamente isso. Se não os rejeito, se admito que gosto de sentir um homem interessado em mim, deve ser mesmo outra coisa. Entretanto, já estou com vinte e três, quase vinte e quatro, não posso perder-me muito mais tempo em tais devaneios.
Acontece, por exemplo, que na sexta-feira passada fui a uma discoteca, “beber e dançar e apaixonar-me”, e conheci lá um indivíduo que depois, não sei bem porquê, levei para minha casa. Estava embriagado, e vomitou. Tomámos duche juntos, e fizemos amor. Disse-lhe que a casa era dos meus pais, o que não é verdade, é minha — ou como minha: os meus pais vivem agora em outra casa, deram-me esta, tive essa sorte.
Depois ele adormecue, e eu fiquei acordada, a pensar. Fi-lo despertar já o sol tinha nascido. Saímos para tomar o pequeno-almoço e estivemos a conversar um bocado, enquanto comíamos, e depois ele foi-se embora, com o meu número de telefone escrito num guardanapo de papel, e eu regressei a casa e só então é que me deitei para dormir. Dormi seis horas e acordei bem disposta e esfpmeada.
Combinámos tornar a encontrar-nos na próxima sexta-feira, na mesma discoteca. Agradou-me estar com ele, mas tenho pressentimento de que isto é apenas mais uma história de sexo-e-discoteca, sem mais. Não, não pressinto: sei. Porque já me aconteceu o mesmo, várias vezes. Conhecer um homem é conhecê-los a todos. No fundo, reconheço que gostaria de não acreditar em tais fatalidades. E, no mais secreto de mim, escuto a esperança, muito estranha, de que, na próxima sexta-feira, a realidade consiga negar as minhas apreensões.
Não quero pensar mais nisto.Não sei onde é que ele mora, o que faz, o que o faz mover. Só o nome. Não houve tempo para mais, creio. A culpa é minha, claro. Todavia (estou deitada, são duas da manhã), lembro-me do corpo dele, da sua voz, das suas mãos, do que me fez com elas, do que me disse, do que me perguntou. Confesso que, de algum modo, me entreguei toda a ele, admito que é muito pouco, e confesso que me sinto à toa, e por isso não consigo adormecer, mulher sozinha numa casa grande. Mas não conto carneiros. Penso. (Quero parar de pensar e não sei). Penso: “quem busca paixões acaba em sofrimento, quem procura ternura recebe sexo, quem precisa de compreensão encontra egoísmo”.

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