Noite. Dia de descanso do pessoal, apenas uma das cervejarias está aberta, o ar corre frio e as pessoas concentram-se, são onze horas.
Carlos sozinho a uma mesa, a beber cerveja. Tem as pernas esticadas para a frente, e observa os que entram e saem. Miúdos, habitués, estrangeiros dos navios em reparação nos grandes estaleiros ali próximos. Uma loira, que reconhece não sabe de onde, com um grande impermeável amarelo e um namorado. Um dos seus muitos conhecidos, também, a mendigar umas moedas para tomar um copo.
— Não tenho.
— Então sento-me um bocado.
— Tu é que sabes.
O outro senta-se, pois, e bebe-lhe um trago da cerveja, sem sequer pedir. Trivial e croquetes. A puta que te pariu.
— Não dizes nada?
— Não.
É a vida. Para quê dizer? O quê? Carlos está no lado errado do mundo, na zona da noite em que tudo pode acontecer e nada acontece. O outro, aborrecido, enfim, diz que o melhor é circular, e vai-se.
Agora é o empregado que não tem nada que fazer e se aproxima e começa a falar da música nos tops. “Você já ouviu?” Aquela forma de tratamento — “você” —, ironicamente respeitosa, há muito já que deixou de o fazer sorrir. Responde:
— Todos juntos não valem um.
O empregado insiste: mas este, e aquela... Só se ouve a si próprio, e faz-lhe falta a atenção de alguém, a vida é uma chatice, isto não pode ser só trabalho. Pobres, tristes pessoas.
E Carlos, aborrecido, já só diz:
— Ah, pois.
Nisto, são onze e trinta, aparece um outro conhecido mais conhecido, que se aproxima e cumprimenta
— Então, qu’é que se faz?
e que se senta, e Carlos, num ataque súbito de sinceridade (deixem-me respirar, deixem-me respirar), responde:
— Aborreço-me. A qualquer momento, aliás, posso cair para o lado, morto de aborrecimento.
— Não aparece ninguém conhecido — diz o outro, cinco minutos depois.
“Não, não é isso”, pensa Carlos. E pensa: “beber até à exaustão, ou fumar droga, talvez”. Um aturdimento qualquer, e vitalício: hoje sente-se particularmente falhado, o dia todo em queda livre, e de boa altura. A vida não lhe anda a dar nada, é o que é. Vá, vamos fazer um clube de fracassados.
Ser piloto da aviação civil — até mesmo da militar, que se lixasse —, ver tudo isto de muito alto. Chegar e partir, subir e descer. Suavizar, enfim, o falhanço maldito.
Uma rapariga sozinha a uma mesa, voltada para a rua e a beber um sumo. E os abutres vão chegando. Sorriem. Todas as noites os mesmos, todas as noites a mesma.
“Alguém que me salve”, pensa Carlos. “Tu, a garota dos lábios doces...” Mas ela ri-se para o lado, ora, já conheço esta história.
Depois, de repente, chega um mais animado e pergunta:
Carlos sozinho a uma mesa, a beber cerveja. Tem as pernas esticadas para a frente, e observa os que entram e saem. Miúdos, habitués, estrangeiros dos navios em reparação nos grandes estaleiros ali próximos. Uma loira, que reconhece não sabe de onde, com um grande impermeável amarelo e um namorado. Um dos seus muitos conhecidos, também, a mendigar umas moedas para tomar um copo.
— Não tenho.
— Então sento-me um bocado.
— Tu é que sabes.
O outro senta-se, pois, e bebe-lhe um trago da cerveja, sem sequer pedir. Trivial e croquetes. A puta que te pariu.
— Não dizes nada?
— Não.
É a vida. Para quê dizer? O quê? Carlos está no lado errado do mundo, na zona da noite em que tudo pode acontecer e nada acontece. O outro, aborrecido, enfim, diz que o melhor é circular, e vai-se.
Agora é o empregado que não tem nada que fazer e se aproxima e começa a falar da música nos tops. “Você já ouviu?” Aquela forma de tratamento — “você” —, ironicamente respeitosa, há muito já que deixou de o fazer sorrir. Responde:
— Todos juntos não valem um.
O empregado insiste: mas este, e aquela... Só se ouve a si próprio, e faz-lhe falta a atenção de alguém, a vida é uma chatice, isto não pode ser só trabalho. Pobres, tristes pessoas.
E Carlos, aborrecido, já só diz:
— Ah, pois.
Nisto, são onze e trinta, aparece um outro conhecido mais conhecido, que se aproxima e cumprimenta
— Então, qu’é que se faz?
e que se senta, e Carlos, num ataque súbito de sinceridade (deixem-me respirar, deixem-me respirar), responde:
— Aborreço-me. A qualquer momento, aliás, posso cair para o lado, morto de aborrecimento.
— Não aparece ninguém conhecido — diz o outro, cinco minutos depois.
“Não, não é isso”, pensa Carlos. E pensa: “beber até à exaustão, ou fumar droga, talvez”. Um aturdimento qualquer, e vitalício: hoje sente-se particularmente falhado, o dia todo em queda livre, e de boa altura. A vida não lhe anda a dar nada, é o que é. Vá, vamos fazer um clube de fracassados.
Ser piloto da aviação civil — até mesmo da militar, que se lixasse —, ver tudo isto de muito alto. Chegar e partir, subir e descer. Suavizar, enfim, o falhanço maldito.
Uma rapariga sozinha a uma mesa, voltada para a rua e a beber um sumo. E os abutres vão chegando. Sorriem. Todas as noites os mesmos, todas as noites a mesma.
“Alguém que me salve”, pensa Carlos. “Tu, a garota dos lábios doces...” Mas ela ri-se para o lado, ora, já conheço esta história.
Depois, de repente, chega um mais animado e pergunta:
— Vamos até ao rio?