DIÁRIO DE CAFÉ DE LUÍS MIGUEL (fragmento)

“...tan-tan-tan... tan-tan-tan... tantantan…”
Agora estou no café do costume e isto, tantantan, sou eu a bater com a ponta dos dedos sobre o tampo da mesa. Estou intimamente impaciente — com uma incrível vontade de foder, creio — , mas não se vê, ou não se percebe bem, porque nenhuma bela se aproxima de mim para me aliviar. De qualquer modo, o que é que se vê seja de quem for, para lá do que nos é mostrado?
Acho-me inesperadamente a olhar para uma morena que acaba de entrar, um pouco cheia de formas, com penteado moderno e pulseiras nos braços e uma no tornozelo e muitos anéis. Não é preciso despi-la para saber como age na cama: basta apenas ver-lhe o rosto, a forma como concede o olhar, através de uma maquilhagem com muito lápis preto, a condizer com as íris também escuras, e, de algum modo, acolhedoras. E aí estou eu a contradizer-me.
O empregado, que já me conhece tanto antes como depois do pequeno-almoço, tras-me um café, que não pedi mas que, felizmente, é o que pretendo tomar. Peço-lhe também um maço de cigarros e retomo o assunto da morena. Tento tomar-lhe de novo o olhar mas, após uma breve luta, ela desvia-o. Como são enternecedores, os pudores das raparigas...
Ao fundo, entretanto, do outro lado, está outra morena, também com uns olhos deliciosos, mas essa já está habituada a ver-me aqui, e tira-me sempre as medidas, sempre com o mesmo descaramento subtil, a boca pequenina mas prometedora, namorado ao lado.
A minha rua é assim, é todas as ruas, cheia de mulheres e de raparigas desejáveis, desejadas, comestíveis, canibalizáveis, extraordinárias mulheres que me enchem o peito e o baixo-ventre de saboroso sofrimento. Oh, tê-las a todas, não como homem somente, mas também como anjo, figura celeste caída nesta vida sem sentido precisamente para lhe dar algum...
Amor? Nada de amores: paixão. Um mundo de prazeres feito.
/.../”

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